domingo, 26 de outubro de 2008

Agora a verdade

(Aldeia - Pernambuco, Julho de 2008)

Eu cansei de como as roupas estão
dispostas no meu armário
e como os meus sapatos
vivem revirados.
Cansei de como eu tenho a mania
incansável de colocar
tudo no mesmo lugar
e como meu quarto tem a mesma cara.
Cansei dos meus livros organizados
e da minha mesa sempre muito bem limpa.
Cansei do cheiro do meu perfume,
do hidratante, do sabonete.
Cansei de gostar sempre do mesmo
esmalte e como batom cor de boca
me deixa sem graça.
Cansei desse meu sorriso amarelado
e do brilho fosco dos meus olhos,
tão lúcidos, tão mortos.
Cansei de ir sempre
aos mesmos lugares
fazendo sempre o mesmo caminho,
pois já não vou por onde quero,
minhas pernas que seguem sozinhas.
Cansei desse mundo.
Dessas pessoas pequenas e mal amadas,
egoístas, corrompidas e vazias.
Cansei da maneira que se comportam
e como falam sempre as mesmas coisas.
Cansei de como se vestem, de como
dirigem seus carros, de como
gastam seu dinheiro.
Cansei de me importar com pessoas
que não se importam e cansei de
adoecer por elas.
Cansei, sobretudo, de mim.
Dessa minha velha cara de sempre
refletida num espelho pálido e frio.
Cansei dessas minhas mãos mortas
e desse meu coração que
a vida tratou de petrificar.
Cansei da minha voz rouca
e de como eu nunca escuto ninguém.
Cansei dos meus sentimentos
que me traíram,
das minhas palavras que fugiram,
dos meus sonhos que sumiram,
dos dias que eu tenho que amanhecer,
da vida que eu podia ter vivido,
mas preferi morrer.

Flor de Moraes

Como fosse um lar, seu corpo a valsa triste iluminava
Oswaldo Montenegro