terça-feira, 20 de outubro de 2009

Desafio

Fomos criados e projetados para sermos apenas o que somos. Sujeitos da nossa própria existencia e articuladores dos próprios erros, nos tornamos, a medida que vivemos, sujeitos da existencia alheia e articuladores dos erros dos outros. Não convivemos com a nossa dificuldade nem com os nossos desejos e medos, mas tomamos para nós uma vida que não nos pertence nem nos diz respeito. A nós foi dada uma vida, uma única: a que vivemos agora, e ainda assim não a vivemos por inteiro. Assumimos partes de uma história, começamos projetos sem fim, sonhamos sonhos nunca realizados e nunca, literalmente nunca, nos descobrimos como somos. Conhecemos mais o gosto do nosso próximo do que o nosso próprio gosto e saciamos mais a vontade do amigo do que a nossa própria sede. Somos mais sujeitos de alguém do que sujeitos de nós mesmos. Nesses raros momentos de filosofia, me pergunto aonde ficamos; quem somos; o que queremos; para onde vamos; qual a razão da nossa existencia se a existencia individual parece sem razão? Por que conhecemos mais aos outros do que a nós? Por que parece tão difícil manifestar a opinião e a vontade quando se trata das nossas? Recusamo-nos no intuito de parecermos mais sociais e envolvidos em uma sociedade ou grupo que no fundo nos recusa a particularidade e personalidade. O medo nos engaiolou dentro do único lugar onde poderiamos ser o que de fato somos: dentro de nós. O grito de revolta e desespero se abafa dentro do peito e ecoa nas paredes da alma onde cada segundo trata de mata-la, seja pelo fator tempo, seja pelo fator desgosto e contrariedade. Somos a imagem e semelhança de alguém que não sou eu, nem você, mas alguém que não vemos, não conhecemos. Somos a velha na rua e o mendigo no metrô. Somos o viajante que nunca volta pra casa e a criança mimada de algum lugar nobre. A dificuldade é ser o que simplesmente somos, sonhar nossos sonhos e realizar nossos desejos. O gosto da renúncia e abnegação é amargo e perdura no paladar da realidade. E hoje, em tempos tão modernos e coletivos, lanço o desafio tão difícil quanto andar numa corda bamba: seja apenas você.

Laura Santos

[The album leaf]

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