Era uma longa caminhada e,
a cada passo, parecia mais distante
porque quem corre é porque tem pressa.
Era como caminhar sobre uma esteira
onde o objetivo era, de longe,
uma pequena miniatura inalcansável
à medida que continuava a andar.
Uma, duas, múltiplas vozes dentro da cabeça,
ao seu redor, atrás de você, mas de que?
O coração pulava em salientes batidas
no peito, nas costas, na boca queria explodir.
Queria parar de pensar, queria apenas chegar.
Mas estava longe e cada vez mais.
De repente se perdia, embora soubesse
exatamente para onde ia. Para casa.
Para refugiar-se de todos os fantasmas
que a perseguiam e ela sabia. Queria falar,
queria gritar socorro, mas quem ouviria?
Quem se importaria? Quem viria?
Seria o atestado de loucura social,
porque a loucura já era, intimamente, pessoal.
O sussurro do vento seco, cortante; os olhares
de quem passava e não via, ou via? Os vum-vum
dos carros que iam e vinham muito próximos
ao corpo que sucumbia ao cansaço.
Derretia para dentro da cidade.
Uma sensação que poderia comparar
à morte: indolor, incolor, insépida.
Apenas a leve sensação de ora ser absorvida
pela terra, ora voar rumo ao céu negro-inverno.
Sentia-se literalmente inconstante.
Não conseguia se controlar, embora fizesse
um esforço enorme para parecer normal.
Os passos pesavam contra o chão, mas
flutuavam como a mais fina areia seca no litoral.
Não sentia dor, mas um misto de mil sentimentos
que colecionava ao longo de seus quase 22 vividos anos.
Sentia-se num palco, sentia-se atriz, sentia-se qualquer coisa
que pudesse transpirar milhares de sentimentos e
expressar milhões de sentimentos, simultaneamente.
Sentiu que caminhava há horas porque os minutos
pareciam interminavelmente longos. Quase ouvia
o tempo tic-taqueando dentro do ouvido.
O mundo passava lentamente. Ele não queria passar.
Ela só queria chegar, pois sabia que, ao chegar,
teria conforto e alguém real para conversar, não somente
as vozes na sua cabeça e os personagens fictícios
que ela inventou no auge da caminhada urbana solitária.
Enquanto tateava o nada e sentia-se girando em círculos,
o chão corria embaixo de seus pés rumo ao destino de todos os dias.
Pensou em Alice e todas as suas maravilhas ácidas e psicodélicas,
sentiu-se uma criança na fantástica fábrica de chocolates
e até conseguia saborear um doce imaginário na ponta
da língua. Deliciosamente derretendo sob a saliva espessa.
Tentava exorcisar não sabia quantos demônios
que se prenderam ao corpo que rumava horizonte.
Quando chegou aos portões de entrada, num estalo
de trovão que só ela escutou, entendeu que não eram as
horas nem as ruas que não passavam, era ela que não os via
passar. Entrou na pequena rua silenciosa, ausente de carros e
pedestres e sentiu-se profundo aconchego e o quê de solidão.
Não sabia contar o que acontecera, não sabia explicar em palavras
a experiência que tivera no caminho que percorrera
praticamente todos os dias há 3 longos anos.
Queria conversar. Queria descrever. Queria que alguém
se sentisse assim também. Será que alguém já sentira?
Falou sobre si. Descarregou, sinceramente, todos os
seus motivos e porquês como nunca fizera ou falara.
E ouviu pacientemente, sabiamente, com olhos que marejavam
e lágrimas cintilantes que escorriam. Sentiu-se bem, sentiu-se mal.
Sentiu-se a poeira das botas batidas de alguém. Sentiu que era
tudo, mas era nada. Sentiu-se desprezível e desprezada,
vazia e esvaziada, ignorante e ignorada, mal amante e mal amada.
Sentiu tudo e sentiu nada. E conseguiu ver a vida por outra janela.
A janela da realidade que ela se recusava a encarar.
Sentiu um dó de si tão passageiro quanto os amores
que tivera. E amou muito mais aquele instante em que
se encontrava quando já tinha se dado por perdida.
Amou não estar só e amou que a companhia que tinha
não a beijava, não a abraçava, não a tomava pela mão,
mas cuidadosamente lhe abria as portas que ela
havia fechado. Queria lembrar de tudo que
havia pensado antes, porque pensou em
coisas verdadeiras, mas os pensamentos acelerados
devoravam um ao outro enquanto todos eles
desapareciam na velocidade de um relâmpago.
E, por fim, adormecera circundada em pensamentos
iluminados e a paz de quem acabara, realmente,
de decidir o futuro: viver um minuto de cada vez.
Laura Santos na maior viagem do mundo ao som de Hafsól.
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