terça-feira, 29 de junho de 2010

monólogo de um apaixonado

não sei bem como tudo aconteceu. foi meio de repente. a gente estava ali sem fazer muita coisa. eu mal o conhecia. só reparei nos olhos. aliás, os mais azuis que eu já tinha visto. sempre gostei de olhos azuis. ah sim! o sorriso também me encantou, mas só me lembrei dele pelas fotos que tiramos. entre um gole de vodca e um trago de cigarro, a gente se desejava, mas por que investir em algo, digamos, tão comum? eu seria mais uma, ele seria mais um. no final das contas, essa soma ia dar em nada. mas eu estava errada e, contrariando todas as previsões, a gente se apaixonava. ele não foi mais um, eu não fui uma a mais, o final de semana foi único. ai veio a segunda feira, e junto com ela, a incerteza de mais sábados como aquele. eu contava as horas que passavam e os dias que ainda faltavam para o reencontro ainda imprevisível. e ele veio. e junto com ele, mais e mais horas ao lado dele. mais e mais surpresas. mais e mais beijos apaixonados, abraços quentes e apertados, saudade acumulada na despedida. mais e mais desejo de voltar. é como se agora tudo fizesse mais sentido. tomar banho, me arrumar e ficar bonita e cheirosa. alugar um filme, estourar pipocas e escurecer a sala. andar de mão dada na rua e encostar a cabeça no ombro. falar baixo no telefone e mandar mensagens de boa noite. lanchar na casa dos avós e ir embora cedo. suspirar longamente antes de dormir e desejar sonhar com ele a noite inteira. ficar meio boba. inteiramente feliz.
hoje passo longos minutos escrevendo coisas assim, de amor, de saudade. encontro, nas palavras, o conforto que a distância e ausência me tiram, e fico esperando e planejando o outro final de semana que juntará, novamente, nossas bocas e nossas mãos. aquelas inseparáveis nas minhas lembranças desde que se encontraram pela primeira vez, mesmo que de repente e por acaso.

Laura Santos

terça-feira, 22 de junho de 2010

2005/2006


Amizades e lembranças são aquelas que ficam. E hoje me deu tanta saudade delas. Cada vez mais perto das lembranças, cada vez mais distante das amizades separadas por fatores que não controlamos, mas simplesmente aceitamos por não ter muito o que fazer. Saudade daquele tempo. Talvez o melhor que eu tive. É como acordar e nascer outra vez, só que andando. Você reaprende tudo. A conversar outra lingua, a comer uma outra comida, a se comportar em outra cultura, a amar uma nova família, a se divertir com novos amigos. E você ser acostuma. Com o cheiro da casa, com a organização das ruas, com o gosto da comida mexicana, com o vento às vezes tão gélido, às vezes tão quente. Você se acostuma a ter nascido novamente com 18 anos e é feliz por ter duas vidas tão distintas, tão parecidas, tão iguais, tão normais. Você se acostuma com o horário pra acordar, pra chegar em casa, pra se alimentar. Você aprende novos sons e se acostuma com eles todos os dias, as músicas que embalarão pra sempre esses dias. E você gosta. Gosta de como você se diverte, das bandas, dos programas, dos lugares, das pessoas, de cada hora que você deseja ir pra casa, mas ficar, tudo ao mesmo tempo. E um dia você sente falta. Falta de cada um desses segundos tão particulares, tão vividos, tão bons. E você deseja que eles voltem e se repitam cada vez que a saudade no peito aperta. E depois de tudo, o que ficam são lembranças e amizades: amizades distantes e verdadeiras e lembranças que a mesma distância não há de apagar.

Laura Santos sentindo falta, muita falta daquele tempo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

sexta-feira, 21h09

a gente sabe que alguma coisa tá errada quando a mesma música toca repetidamente. é noite de sexta- feira e você ainda continua trabalhando. sem hora pra sair, sem hora pra chegar em casa, sem saber o que virá nos próximos segundos, se contentando apenas com 140 caracteres. em resumo: é o que tem pra hoje. o amanhã virá, certeiro como a pontualidade das horas, incerto como a imprevisão dos minutos.

Laura Santos, numa sexta-feira, às 21h11, na agência, trabalhando ao som de Bon Iver.

Eu sei, mas não devia

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti

quinta-feira, 17 de junho de 2010

horas intensas

gostava de se perder durante horas
no calor particular daquele inverno
e navegar mansa,
despreocupada,
sem mar.

era intimamente feliz
e só ela sabia porque.

Laura Santos ao som de bon iver.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Longe


Preencho com lembranças, fotos e fatos o espaço que fica entre aquele dia e hoje, justamente quando os quilômetros distanciam mas não separam quem tanto se quer por perto.

Feliz dia dos namorados.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

às vezes

às vezes as coisas são normais,
com seus poréns e tais,
menos daquilo, isso um pouco a mais.
às vezes as coisas mudam,
e a gente se perde, esquece,
procura coisas ou pessoas que socorram,
acudam.
às vezes a gente finge que se controla
um riso sem graça e amarelo disfarça
a alma fosca que chora.
às vezes a gente para, às vezes a gente corre,
às vezes a gente finge que vive na hora que morre.

Laura Santos numa mudança repentina, mas não a primeira, de humor.

terça-feira, 8 de junho de 2010

a vida na praça

Ah aquela praça
da tarde que eu não esqueci.
E agora a vida aqui passa
naquele instante em que a vivi.

Laura Santos

Beijo

Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.

Jorge de Sena

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Um domingo

O domingo foi deliciosamente estranho. A casa é típica de vó. Aquela movimentação da família que entra e sai toda hora e que me deixa sempre um tanto desconfortável por ainda não conhecer o rosto de cada, tampouco saber o nome de cor. Aquele ambiente logo me pareceu familiar. O cheiro de café ao entardecer, a despedida de parentes que vão embora, os primos reunidos numa sala muito confortável animados pela partida de futebol no videogame. VOcê estava lindo. O jeans simples, o tênis pouco desgastado e o moletom tão quente e tão macio como nunca. Seu cheiro sempre tão suave, limpo, gostoso. Eu, sem pudor algum, esparramada no conforto do sofá e no aconchego quente do seu colo, poderia passar o resto das longas horas seguintes ali, sem a menor vontade de ir embora. Sua mão, entrelaçada à minha, me deixava mais perto da felicidade do que da melancolia que as tarde de domingo costumam me causar. Pela fresta da janela eu via a tarde se por e desejava que ela não chegasse ao fim quando, num último beijo noturno, nos despediriamos antes de partir. Não poderia exigir mais daquele domingo. De perto, eu admirava o azul intenso dos seus olhos e tentava traduzir em palavras a sensação de estar tão próxima a eles. Ouvir a sua voz baixa no silêncio daquela sala era como se uma nota musical afinadissima avançasse ouvido adentro rompendo a ausência de som. Me desliguei do mundo por cada segundo que os últimos raios do sol da tarde me proporcionavam, e, como quem coleciona selos, eu colecionava cada instante de felicidade que aquele domingo, deliciosamente atípico, me deu de presente.

Laura Santos ao som de piano e cordas. O domingo? Quero repeti-lo quantas vezes mais precisar.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Eu gosto

O gosto do gosto bom que ele tem de frutas frescas, do cheiro novo de natureza que faz com que eu me perca na densidade da sua espécie rara. Ele tem um sorriso que eu não saberia traduzir em palavras, como se cada vez que ele sorrisse, um convite à felicidade me invadisse. Eu gosto do jeito que ele tem só dele de ser. Um rosto maroto de menino louco para romper a vida em aventuras desconhecidas. Ele é tão doce que quase chega a ser celeste, se não fosse pelo pecado dos seus beijos ardentes. Ele é puro, tem o coração do tamanho do desejo que eu sinto de estar ao lado dele, ele tem os olhos mais claros e cintilantes que eu já vi, chegam a cegar. E eu só tenho olhos pra ele. Gosto de me perder nas lembranças das poucas horas em que nos perdemos juntos. Gosto de me perder nas próximas horas quando elas o trarão de volta. Gosto de me perder na profundidade macia do seu abraço. Aquele que me deixa entre a bondade de Deus e a malícia do diabo.
Laura Santos numa canção de amor dançante.