quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Desejo

Quisera eu ter agora não mais do que a brisa que só acontece no litoral. Quisera eu não mais do que um sol veranino, um ar fresco, coqueiros de enfeite, o céu azul celeste e as ondas que vem e vão do mar inconstante. Quisera minh'alma flutuar enquanto relaxa em cima da areia branca e sente a água cristalina que no pé encosta fazendo cócegas lúdicas. Quisera minha cabeça não ter nada além do múrmurio do vento e a ladainha dos pássaros que se vão. Quisera eu não mais do que raros instantes que eu me encontro entre um surto e outro, entre uma queda e outra, entre um fracasso e outro. Quisera eu me encontrar quando finalmente esquecer de pensar o que eu penso todos os dias entre o nascer e o por do sol. E quando esse dia chegar, lá eu estarei: rindo da vida que goza de mim, agradecendo por tudos os dias passados e pedindo não mais do que esses momentos que eu sou minha e de mais ninguém. Sem testemunhas, sem relatos, sem registros, apenas o mar, o céu e a areia.

Laura Santos

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Pensamentos

Pensamentos parecem pirilampos sertanejos que clareiam o escuro nebuloso que faz no mangue da saudade. São pensamentos que gritam os fatos que foram e acorda a sereia da realidade de um futuro tanto promissor quanto incerto. Pensamentos escritos pela mão do escrivão que conta cada milímetro de palavra lembrada, dita, falada nos pergaminhos das noites de volúpia. Leio cada trecho desses pergaminhos e revivo as lembranças como se acabassem de passar por mim no estralo de um relâmpago de lembrança. Agora parece-me tudo muito nítido e evidente. O cheiro, o sabor, o tato. O dom que cada sentido meu possui mais o sentimento de sintonia agregado. São pensamentos, apenas pensamentos que me permitem voar além das minhas possibilidades e me deixam livre pelos raros instantes que o meu pensamento permite te encotrar. Como um espelho, vejo o sorriso da gratidão que a minha alma transborda e num surto de felicidade, explodo, não além do que se possa ver, mas até o limite da consciência. São pensamentos, não mais do que pensamentos que libertam.

Laura Santos

[Viõrar Vel Til Loftárasa - Sígur Rós]

De que se morre?

Por amor morreram Jesus Cristo, Madre Tereza e Luther King.
Por amor morreram os bons, os puros e os generosos de coração.
Por amor morrerm os que tentaram carregar a podridão da humanidade nos lombos sem se queixarem da carga pesada e da caminhada exaustiva.
Por amor, só por amor morreram.
E o que diria Leminski, Bandeira e Moraes?
Diriam que o amor mata, mas a boemia liberta.
Seguindo meus mestres, não quero morrer por amor, quero morrer engasgada e saciada de tanta boemia que a vida pode me dar.
Quero me perder não entre os miseráveis, mas entre os poetas loucos da minha juventude transviada. Sexo, blues e o cão engarrafado.
Não quero meu nome escrito nas páginas da história,
quero minha história escrita nas minhas páginas.

Laura Santos

domingo, 25 de outubro de 2009

Na natureza selvagem

Comprei um livro essa semana e comecei a ler ontem. O livro é o que deu origem ao filme Na natureza Selvagem (Into the wild). Para quem já viu o filme, vale MUITO a pena ler o livro também, já que é mais rico em detalhes e atiça a imaginação lembrando das cenas do filme. Para quem não viu, abra uma aba no navegador e comece a baixar agora. Fica minha dica de leitura e filme.

Abaixo um trecho do livro que eu gostei bastate. Vou postando os meus preferidos à medida que leio o livro.

"Não se deve negar[...] que estar solto pelo mundo sempre foi estimulante para nós. Está associado em nossas mentes à fuga da história, opressão, lei e obrigação maçantes, com liberdade absoluta, e a estrada sempre para oeste.

Wallace Stegner
The American as living space

sábado, 24 de outubro de 2009

Poesia das loucuras

Sonhos perdidos no quarto
todos espalhados pelo chão
procuro em algum lugar o retrato
e encontro na minha pele a marca da sua mão.

Mão pesada de sede e desejo
na noite que a lua era cheia
e o fogo que sua boca ateia
sinto pela densidade do seu beijo.

Vejo alto seus olhos de mar
que o pirata me leva para conhecer
e fico até o amanhecer
quando o sol matutino nos despertar.

Morro de saudade
quando a lua invade nua
do gosto daquela vadiagem
quando eu era completamente sua.

Flor de Moras

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Desafio

Fomos criados e projetados para sermos apenas o que somos. Sujeitos da nossa própria existencia e articuladores dos próprios erros, nos tornamos, a medida que vivemos, sujeitos da existencia alheia e articuladores dos erros dos outros. Não convivemos com a nossa dificuldade nem com os nossos desejos e medos, mas tomamos para nós uma vida que não nos pertence nem nos diz respeito. A nós foi dada uma vida, uma única: a que vivemos agora, e ainda assim não a vivemos por inteiro. Assumimos partes de uma história, começamos projetos sem fim, sonhamos sonhos nunca realizados e nunca, literalmente nunca, nos descobrimos como somos. Conhecemos mais o gosto do nosso próximo do que o nosso próprio gosto e saciamos mais a vontade do amigo do que a nossa própria sede. Somos mais sujeitos de alguém do que sujeitos de nós mesmos. Nesses raros momentos de filosofia, me pergunto aonde ficamos; quem somos; o que queremos; para onde vamos; qual a razão da nossa existencia se a existencia individual parece sem razão? Por que conhecemos mais aos outros do que a nós? Por que parece tão difícil manifestar a opinião e a vontade quando se trata das nossas? Recusamo-nos no intuito de parecermos mais sociais e envolvidos em uma sociedade ou grupo que no fundo nos recusa a particularidade e personalidade. O medo nos engaiolou dentro do único lugar onde poderiamos ser o que de fato somos: dentro de nós. O grito de revolta e desespero se abafa dentro do peito e ecoa nas paredes da alma onde cada segundo trata de mata-la, seja pelo fator tempo, seja pelo fator desgosto e contrariedade. Somos a imagem e semelhança de alguém que não sou eu, nem você, mas alguém que não vemos, não conhecemos. Somos a velha na rua e o mendigo no metrô. Somos o viajante que nunca volta pra casa e a criança mimada de algum lugar nobre. A dificuldade é ser o que simplesmente somos, sonhar nossos sonhos e realizar nossos desejos. O gosto da renúncia e abnegação é amargo e perdura no paladar da realidade. E hoje, em tempos tão modernos e coletivos, lanço o desafio tão difícil quanto andar numa corda bamba: seja apenas você.

Laura Santos

[The album leaf]

domingo, 18 de outubro de 2009

Quero

Quero acordar e ver-te pintado na minha pele nua que a noite tu consumiste.
Quero sentir teu cheiro impregnado na minha nuca ainda molhada pelos teus beijos.
Quero minhas costas cortadas pela tua mão, sede de ter-me, que cravaste.
Quero a imagem que eu fiz de ti. Teus olhos grandes, tua pele alva e teu rosto de meio homem, meio menino.
Quero apenas sentir-me realizada por não ser metade, mas ter em mim a metade que me completa, ainda que por instantes tão breves quanto um sonho bom.
Quero-te não mais do que esses raros instantes, porque são neles, somente neles, que eu tenho-te por inteiro. O restante eu só fico com o que me sobra.

Laura Santos

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Musical

Ando meio musical. Meus pés sapateiam compulsivamente e quase toco algum instrumento no ar. Ando meio Björk, meio Tom Jobim, meio Nouvelle Vague, Bossa Nova, samba, rock.
Ando assim, suando notas em sol e lá menor, alguma clave de fá que tropece na vida e me ache perdida. Alguma partitura que eu ande por ela lendo as notas que compõem a melodia dos meus sonhos. E enquanto não escuto o coro de anjos assexuados que cantam celestialmente, ensaio algum sambinha malicioso que embala a boemia da sexta feira que chega assoviando.

Laura Santos

domingo, 11 de outubro de 2009

Tempos modernos

A poesia anda mais prosa do que nunca.

Laura Santos

[I melt with you - Nouvelle Vague]

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Gosto de sal

Chega na boca um gosto de
sal assim como chega nos
olhos saudade dos poros
que o produz.

Esse gosto de sal
é fruto de um ato
animal
que nosso instinto
ainda nos induz.

Flor de Moraes

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Tanto bêbada

Ultimamente ando embriagada, só não sei se de amor, de álcool ou de sonhos. Não sei se me faz a cabeça a cachaça que sobe como fumaça de lixo, ou os sonhos que meu coração abriga e suam pelos meus poros. Não sei se me embriago de pouco ou de muito amor, pois tanto faz a quantidade, me importa mais a qualidade, nem que seja por instantes. O que de fato importa é que eu esteja embriagada, tanto faz se de álcool, de amor ou de sonhos. A alucinação alimenta o vazio que o mundo deixa e preenche o cantos entranhados no corpo pequeno. Embriago, bebo, sonho, bebo, embriago, amo, bebo, amo, embriago e por assim sigo meus dias que não conto pelos dedos nem pelo calendário, mas pelas lembranças que tenho à medida que passam e se vão deixando não mais do que essas lembranças que eu amo tanto.

Laura Santos

[Ney Matogrosso]

domingo, 4 de outubro de 2009

Mercedes Sosa

Eu juro que ia dormir hoje sem postar mais nada, minha cabeça está explodindo e minha paciência tá mais curta do que perna de cobra, mas não posso ir dormir sem prestar uma homenagem. Morreu hoje uma das maiores vozes argentinas e dona de composições eternas. Mercedes Sosa foi uma mulher corajosa, talentosa e muito querida no ramo artístico. Para homenagear, vou postar o vídeo e a letra da sua música mais popular e claro, a minha preferida.

Solo le pido a Díos (Eu só peço a Deus)



Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário sem ter feito o q’eu queria

Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário sem ter feito o que eu queria

Eu só peço a Deus
Que a injustiça não me seja indiferente
Pois não posso dar a outra face
Se já fui machucada brutalmente

Eu só peço a Deus
Que a guerra não me seja indiferente
É um monstro grande e pisa forte
Toda fome e inocência dessa gente

Eu só peço a Deus
Que a mentira não me seja indiferente
Se um só traidor tem mais poder que um povo
Que este povo não esqueça facilmente

Eu só peço a Deus
Que o futuro não me seja indiferente
Sem ter que fugir desenganando
Pra viver uma cultura diferente

(Que a paz esteja sempre presente e que a felicidade não seja um objetivo, mas um caminho.)

Dúvida


Aqui vamos nós outra vez.

-Mas para onde mesmo?

Laura Santos

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Mentiras verdadeiras

Eu menti verdades esfarrapadas enquanto sonhava acordada com lembranças que nunca dormiam. Eu menti sentimentos afogados em copos de álcool e devorados por monstros invisíveis que eu criei. Eu menti desejos secretos que transpiravam no suor da euxaustão do meu corpo fatigado pela vontade nunca realizada. Eu traí argumentos e defendi conceitos tão fracos quanto minha chance de lutar contra eles. E agora eu confesso meus pecados nunca cometidos e pago pelo simples fato de desejar uma alma que nunca será minha, mas que um dia fez parte desse caminho tortuso que eu insisto em deixar pegadas marcadas no chão empoeirado e incerto. Eu menti, mas quem nunca mentiu pra si mesmo?

Laura Santos