segunda-feira, 27 de abril de 2009

Tanto faz

Estampada na tua cara de pau
essa tua mania de gozar comigo
sei lá se amante, se amigo
sei lá se por bem ou se por mal.

Só sei que entre dia e noite
escrevo versos que nunca me sustentam
porque estas palavras inventam
meu príncipe e meu açoite.

Flor de Moraes

[One Hundred Days - Mark Lanegan]

domingo, 26 de abril de 2009

Hipóteses

Pode ser que nem todo mundo conheça
o luxo, e aquele velho corpo imundo
permaneça estendido na sargeta
segurando uma garrafa de pinga barata.

Pode ser que nem todo mundo seja livre
e que as cordas da sociedade hipócrita
nos amarre nos pés da miudez humana
corrompida pelos seus paradigmas fracassados.

Pode ser que o amanhã não chegue
e que o hoje não se vá nunca
deixando gravado nas lápides da lembrança
a morte de vidas errantes e anônimas.

E pode ser que amanhã eu não me lembre
mais de você, nem dos seus olhos grandes,
nem da sua ausência infâme
que agora mesmo estava aqui e
agora não está mais.

Flor de Moraes

[A vida é doce - Lobão]

sábado, 25 de abril de 2009

Companhia

Corre sempre. Não sabe pra onde, nem sabe porque, mas vive correndo.
Mesmo que o caminho seja incerto e escuro, apenas corre.
Desenfreadamente, loucamente.

Descobri que o tempo corre mais rápido do que eu imaginava.

Ainda tento acompanhá-lo pelo caminho.

-É o unico que nunca me deixa sozinho.

Laura Santos

sexta-feira, 24 de abril de 2009

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Presente


Assim ele me veio, meio de lado, meio que como quem não quer, rápido, veloz, sorrateiro. Assim ele me veio, partindo em metades e deixando razão e sentimento ao meio. Assim ele veio, me pegando despreparada e me deixando sem saber de nada. Tão assim ele veio, aparecendo e sumindo, chegando e indo, voltando e partindo, fechando e abrindo caminhos, vivendo intensamente e mantando-me lentamente. E tão assim que ele veio, marcado em cores fortes, largando-me à todo tipo de sorte, criado em vida e carregado até a morte. E assim ele me veio, sem querer, sem pedir licença, sem pagar recompensa, sem que eu sequer pudesse entender.

Ele somente veio.

Laura Santos

[No, everything's not alright - The Fall of Boss Koala]

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Natural

Ainda agorinha me lembrei do teu gosto de fruta,
talvez de cerejas frescas,
talvez de uvas doces,
talvez de manga cremosa,
não sei, só sei que tens gosto de fruta.
Tu fostes fruta tão boa
o doce néctar das coisas naturais,
tu fostes refrescância na minha boca
e alívio nos meus ais.

E agora que meu jardim secou
fico com o que me restou:
um punhado de medo
e um gosto na boca de azedo.

H. Guimarães

Mas há a vida

Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida, há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.

Não mata.

Clarice Lispector

terça-feira, 21 de abril de 2009

A vida é doce



A vida é doce, depressa demais...

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Das tormentas


Pouca hora da noite e uma dor descontrolada que me acometeu o dia todo. Hoje alguém mais entendido e sábio do que eu me perguntou se o que eu quero é o que eu realmente quero. Não sei mais o que eu quero. Podia mudar-me, mas não posso deixar meus problemas, minhas dores, meus amores por aqui, eu os levarei pra qualquer lugar que for. Um desespero que invade e se instala nas vielas escuras da alma preenchendo de vazio e apagando qualquer vestígio de esperança. Sombra que o sol não atinge nem luz que corta o escuro que faz agora. E faz frio também, mais frio do que de costume. Pontos de interrogação que escapam por cada suspiro fraco, medíocre. Lembranças amargas e doces de dias nobres e noites indecentes. Agora a decencia me empurra ladeira abaixo e dúvidas tampam-me num buraco que não vejo o fundo. A contradição de tudo que eu fui e agora não sou mais. Tão forte, tão firme, tão concentrada e pé no chão, agora tão pequena, tão perdida, tão desiludida. Vontade de encaixotar as lembraças que vagam no meu pensamento acelerado. Elas são tão constantes, tão confusas, não me deixam em paz. É a hora que a corda arrebenta, o barco naufraga, a inconstancia te coloca num palco e te faz de palhaço, palhaço da vida. E eu nem consigo brincar de ser feliz. Medo do que o dia de amanhã pode me trazer e esperança de que me traga coisas melhores do que o dia de hoje. Confusão sentimental seguida de uma personalidade forte, orgulhosa. A lágrima que escorre em silêncio e a saudade que não ultrapassa as quatro paredes do quarto. Ali nasce, ali morre pela primeira e última vez, ninguém precisa saber. A vontade de esconder-se em qualquer lugar que não tivesse a sua imagem, nem o som daquela música que toca descontroladamente. Quero agora calar-me e deixar que o silêncio talvez explique o que as palavras tentam, em vão, explicar. Tantas tormentas e tempestades violentas já se passaram, por que agora também não haveria de passar?

Laura Santos

[The Fletcher Memorial Home - Pink Floyd]

Poema em linha reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos

vil
adj. 2 gén.
1. De pouca conta, insignificante, pequeno; pobre, mísero; mesquinho, humilde.
2. Que repugna ao brio.
3. Infame, torpe.
4. Que degrada o homem.
s. 2 gén.
5. Pessoa desprezível.

[Cello Concerto in B minor - Dvorák]

domingo, 19 de abril de 2009

Erro pela manhã

Quando toda os dias um velho sol novo nasce
surge com ele a certeza de que velhas novas coisas
estão, também, por nascer.
É a renovação das memórias que eu fiquei
por esquecer,
é a resposta dos problemas que
eu tentei entender,
é a desesperança fixa de te possuir
nas mãos e você, por entre os dedos,
escorrer.
Nesse instante me recordo que
a grande pretensão do ser
humano é julgar fazer certo
aquilo que ele tem certeza
que faz errado,
e, mesmo assim,
cometer vários erros

repetidamente.

Flor de Moraes

[Festival - Sigur Rós]

Tudo bem

sábado, 18 de abril de 2009


sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa

Paulo Leminksi

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Ao sol

Em varais no quintal do mundo
pendurados vários amores
perdurados entre amor e safadeza,
amor e tristeza,
amor e delícia,
amor e malícia,
amor e sexo.
Secando ao sol da saudade
dos teus olhos cor de céu
e sua boca doce de mel
que as abelhas engendraram.

Dispostos amores opostos
um ao lado do outro
que eu observo da minha janela
enquanto faz sol
de verão,
e no rádio bem baixo
toca uma canção que
eu acho que
fala de solidão
ou desilusão?

Vou sambar.

Flor de Moraes

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Qualquer uma

Boêmio torto, bêbado
poeta louco
que bate à porta
do puteiro
pedindo um pouco
de amor.
Aquele cheiro de
alcool barato
e cigarro falsificado
juntos às putas
caras e as baratas
pedindo um pouco de amor.
Cão faminto, tarado e sedendo
deitado de patas cruzadas
esperando não mais que
uma cadela no cio e
um prato de arroz com feijão,
pedindo um pouco
de amor.
Homem boêmio e cão de rua:
dois bixos atrás de "comida".

H. Guimarães

Em face dos últimos acontecimentos

Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,
bandeirantes e guerreiros
sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.

A tarde pode ser triste
e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).

Teus amigos estão sorrindo
de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados,
que o melhor é ser pornográfico.

Propõe isso ao teu vizinho,
ao condutor do teu bonde,
a todas as criaturas
que são inúteis e existem,
propõe ao homem de óculos
e à mulher da trouxa de roupa.
Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

Fernando Pessoa

Mil anos

Nem precisei me olhar no espelho pra concluir:
Estou ficando velha.
Não porque já vejo sinais de algumas inevitáveis rugas,
nem porque meus cabelos estão branqueando,
mas porque me sinto velha.
Meus ossos e músculos doem
e sempre falta café na garrafa,
é preciso café todas as horas
do dia, e da noite também.
Sim, as pessoas me encomodam.
Eu gosto assim, do meu quarto
frio, a música pra velho
que corta o silêncio solitário,
gosto das minhas manias e
de limpar minhas coisas quando
me sinto disposta.
Gosto de ler livros grandes
e de sentar-me as vezes na jardineira
embaixo do pé de jabuticaba doce.
E sabe os gatos que todo idoso tem?
Eu já carrego um desde jovem.
Eu quero que seja assim, as almofadas
da minha cama e as toalhas do
meu banheiro, piso anti derrapante
porque eu sempre escorrego muito.
Sabão anti alérgico porque tenho
mãos sensíveis e creme com filtro
solar porque minha pele é muito delicada.
Deixe sempre uma luz acesa, caso
eu tenha que ir ao banheiro,
e não se esqueça do meu copo
com água acomodado do lado
da cama, em cima do criado mudo.

Eu sou uma velhinha de pouca idade.

Flor de Moraes

[Viõrar Vel Til Loftárasa - Sigur Rós]

terça-feira, 14 de abril de 2009

quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta minha adolescência

vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência.

Paulo Leminski

[eu nunca soube o verdadeiro nome desse poema, nem sei se tem]

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.


Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Manuel Bandeira

Longe do cabaré

Ontem voltei a sonhar com os
teus seios que me fartam os olhos,
e com a tua boca vermelha
de uma puta qualquer.
Sonhei com tuas pernas
morenas, tua indecência
no meio delas contida,
nua, rosa, cheiro de flor,
me esperando, me desejando
desenhando na tua cabeça
meu pobre amor.
Sonhei com teus olhos de pequena,
tua mão serena me deixando
meio torpor.
Sonhei sim, com teu corpo
que desfilava rumo a minha casa
rebolando teus quadris largos.
E entre amassos e uns fracos gemidos,
dizias entre orgasmos coloridos
que também sonhastes a noite toda comigo.

Acordei suado, molhado
e chamando teu
nome de traste,
mas tu, vadia que não me
merece, sequer de longe,
me escutaste!

H. Guimarães

[mais um personagem página virada na minha história]

domingo, 12 de abril de 2009

.

12 de Abril de 2009, domingo de Páscoa, o vigésimo que passava na terra. Não esperava nada da vida, só uns poucos sonhos, alguns frustradamente realizados, outros sem possibilidades de acontecerem, alguns já haviam sido descartados há muito. Nada, nada da vida, nem amores, nem realizações, nem paixões, nem sequer a vida em si. Nem pegadas na areia, nem o último cigarro aceso e nem aquele livro pobre. Só as refeições e necessidades diárias, as obrigações que não escolheu, vinte e quatro horas que se repetiam sem parar. Nada, nem amigos, nem companhia, nenhum ombro pra chorar, ninguém pra fazer rir, nenhum cachorro pra dar de comer. Só as folhas que caiam no outono e as flores que desabrochavam na primavera, alguns mares salgados e umas geleiras que iam descongelando enchendo oceano adentro. Só alguns que nascem, outros que morrem, todos anônimos para si mesmos. Nada de nada pra nada. Nem lugar nenhum, nem casa, nem para onde ir. Só umas lágrimas que escorriam no rosto que se via num espelho, uma pia que serve de apoio para o cansaço, um banheiro que testemunha o desespero de alguém solitário. Nada, de mãos vazias veio, de mãos vazias vai embora, deixando pra trás nada que fosse gratificante ou de valor, nem ninguém que amou de verdade. Deixando sequer algo escrito para ser lembrada. Não queria ser lembrada. Nunca foi.

Nada.
Só os pontos finais,
o peso da cruz
e nada mais.

Laura Santos

[Angel - Sarah McLachlan]

Urgente

Eu sonho incansavelmente com a casa que eu quero pra mim. Talvez alguma coisa mais primata, no meio do cerrado, um lar pequeno, de madeira, horta com folhas frescas e muitas flores no jardim. Talvez uma casa de praia, areia branca, as ondas quebrando na porta da sala, peixe recém pescado por alguém do mar, coqueiros fazendo sombra na minha varanda e a brisa litorânea a noite. Sem família, parentes, amigos, só uns passáros que me visitam todas as manhãs, mas vão embora tão logo que comerem as sementes que eu lançar fora. Não quero hóspedes. Quero poder precisar só de mim e contar somente comigo. Quero fazer-me meu parente mais próximo e meu melhor amigo, quero passar a vida tão somente só, pois raramente me sinto acompanhada. E se de nada me adianta a companhia de pessoas-fantasmas, prefiro ter uma casa na praia e viver isolada até que a morte separe o corpo da minha alma tão calejada, pequena e egoísta.

Laura Santos

sábado, 11 de abril de 2009

Dream

Eu não pensei que seria assim,
ter os seus olhos tão distantes
onde só o pensamento e a saudade
me permitem alcançar.

Quantos sonhos inventamos
em conversas desalinhadas
no desajuste da nossa imaginação?
O compasso que batia nossa
vontade, nosso desejo e
nosso coração,
sangrando de saudade e desejo
o beijo que chegaria então.

Mas longe caminhamos
a passos que mal se firmam
no solo,
desejando ganhar algum lucro financeiro
pra que fiquemos juntos
de dezembro a fevereiro
e num acesso de loucura
a gente vá embora sem
deixar nem recado,
nem saudade
e nem receio.

Só nos falta o dinheiro.

Flor de Moraes

[The Longest Winter - Pedro the Lion]

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Fases


Vê esse retrato? Eu quero ficar assim. Meio pop, meio arte, meio nua, meio inteira, meio desenhada. É que dentro de mim eu ainda sou muito primata.

Flor de Moraes

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Bom dia

Hoje eu acordei bem.
Do lado de fora da minha janela
um céu azul celeste e algumas
nuvens brancas em forma
de algodão estalavam
a manhã que acordara cedo.
Nem calor, nem frio,
mas uma brisa fresca
que saudava meu
pijama de ceda preta
e meus cabelos ainda
despenteados.
Acordei tão bem,
uma alegria invadia os
poros do meu quarto
e me preenchiam de
esperança pelo dia novo
que cheirava bebê recém
nascido.
Por dentro, uma música
embalava-me e uma
vontade de viver
ocupava-me de desejo
de me levantar da cama ainda preguiçosa.
Acordei bem. Sabia que um novo
dia convidava-me para ser feliz.
Acordei bem, porque a lua ontem
a noite me deixou na saudade,
mas o sol hoje de manhã me
acordou cedo enchendo-me
de abraços e beijos de verdade.

Laura Santos

[Don't change your plans - Ben Folds Five]

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Matutino e vespertino

Não escrevo palavras,
escrevo sonhos que tenho tanto acordada
quanto sonhos que tenho dormindo,
em que desejo que tu voltes
quando te vejo partindo.

Flor de Moraes

[First Breath After Coma - Explosions in the Sky]

terça-feira, 7 de abril de 2009

Relatos

Sabe, hoje o céu está carregado,
não sei se de chuva, não sei se de nuvem,
não sei se de poluição.
Não há aqueles tons alaranjados
das tardes quentes de verão,
nem aquele sol tímido se pondo
no horizonte perto de casa.
Ao contrário, um degradê de
cinza ocupa o palco da aurora
que se vai exatamente na mesma hora,
todos os dias.
Sabe, agora os trabalhadores voltam
pra suas casas, tem um cheiro de
janta cortando o ar e o café dentro
de alguma garrafa térmica
já se vai esfriando.
Vai fazer frio. Nem brisa quente,
nem amor pra aquecer,
mas apenas um vento gélido
que surra o rosto de alguém
que volta pra casa sozinho.
Sabe, preciso tomar jeito
na vida, arrumar um emprego,
alimentar com pão velho
os passarinhos, dar algumas
moedas pros mendigos,
ir à igreja aos domingos,
preciso me casar, ter filhos
e morrer velhinho,
mas sabe, tudo isso
me entedia por demais.

Flor de Moraes

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Sopa de letrinhas

Vou comprar um daqueles pacotes de macarrão
que vem as letrinhas que a gente brinca
até a sopa esfriar.
Vou fazer um caldo ralo,
que mal vai dar pra mim
e vou escrever o
nome da vadia
que me dava de comer
e que eu também comia.

Quero manter em água fervente
o nosso amor que você sempre
levou em água morna
e sem tempero.

Flor de Moraes

[As the little things go - The Appleseed Cast]

domingo, 5 de abril de 2009

Lista

O fato:
A Amazon divulgou uma lista com os 100 melhores álbuns indie de todos os tempos. O critério para elenca-los não foi divulgado, mas os responsáveis por votar foram os próprios editores do site. Você confere AQUI a lista.

A crítica:
Sinceramente eu não acredito que Guided by Voices mereça a primeira posição, assim como Sigur Rós e Death Cab for Cutie não mereciam ficar abaixo das dez primeiras (Sigur Rós ainda ficou abaixo das 40 primeiras colocadas!). Outra coisa, se precisava ser indie para estar na lista, o que Godspeed you! Black Emperor, Tortoise, A Silver Mt. Zion, Bonnie "Prince" Billy e mais umas 15 bandas estão fazendo lá? E mais, aonde estão as bandas clássicas que marcaram o início do movimento indie em 1980, como My Bloody Valentine?

O Resumo:
Esse tal de escolher "os dez melhores sons de século" ou "as melhores músicas de post rock math sad core indie folk" é conversa pra boi dormir, além de muito contraditório e pessoal. Se querem listas com as melhores canções ou gêneros ou álbuns ou seja lá o que for, cada um que faça a sua, assim ninguém sai contrariado.

[Mountains made of Steam - A Silver Mt. Zion]

sábado, 4 de abril de 2009

Da solidão

Vão e se divirtam,
vocês não precisam nem nunca precisaram de mim.
Sorriam mais, dancem mais, bebam mais, fumem mais,
deitem e acordem pensando na vida extra-ordinária que levam.
Vão, podem ir, deixem que as falsas ilusões e sensações
de que tudo vai bem preencham o vazio que o erro deixa
dentro dos seus corações frios o mortos.
Vão, mas vão depressa, não fiquem fazendo
cerimônia para apenas ir em frente.

Vão, podem ir,
eu ficarei aqui,
tentando curar as feridas
que vocês insistem em me abrir.

Ninguém se importa mesmo.

Laura Santos

[Amsterdam - Coldplay]

Poema para quem merece

Quisera eu enxergar a sua alma
e ir além das respostas que eu
ainda insisto em defender,
além das perguntas que eu
nunca ousei perguntar,
além das dúvidas que
nunca me serão esclarecidas.

Quisera eu navegar mansamente pelas
águas claras dos seus olhos,
que em noites escuras
também são mares tempestuosos
e frios.

E se ainda pudesse,
adoçaria a vida com as palavras
que você diz tão calmamente,
guardaria seus sorrisos
mais discretos,
acompanharia seus passos
mais tranquilos.

Porque além de tudo isso,
existem mistérios que,
por mais que eu queira,
nunca serei capaz de descobrir.

Flor de Moraes

[Apelo - Vinícius de Moraes]

[poeminha feito já tem um tempo, mas quis postar sei lá porque, acho que não ando muito inspirada pra escrever. De fato, um poema para que merece]

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Fome

Essa casa cheira mofo.
Desde que tu partiste, nunca mais
varri nosso quarto, nem reguei as
plantinhas que tanto gostavas.
Acho que nosso gato vai morrer
de fome e as aranhas tomam
conta da casa.
Ainda está pendurado no varal
o ultimo vestido que lavaste,
certamente vai desbotar.
No canto do escritório,
acumulo cartas quaisquer
que escrevo, pretendendo
um dia mandar-te.
Não sei para onde tu foste.
E meus livros? as traças
estão a se fartar.
O café vai esfriar,
vou fumar meu último cigarro
e permacerei aqui, cá como estou.
Se um dia voltares, só me
traga um pouco de amor
e um prato quente de sopa.

-Só amor não enche barriga.

Flor de Moraes

[Piano Bar - Engenheiros do Hawaii]

[estou entrando em conflito com meus pseudos, meus eus, parte que eu queria ser, parte que eu sou, parte que eu nunca serei. Além disso, entrei em conflito armado em campo minado com a sua presença, não porque ela me encomoda, mas porque ela nunca está aqui. Conflitos indesejados, imprevistos e necessários (quem sabe?) Pode me ajudar? Não? Então tá, eu me viro bem sozinha]

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Introversão


Sim, eu sou uma ilha, e quero ser uma ilhota que mal pode ser vista no mapa, de preferência que nem apareça por lá. Sim, quero ser uma pequena porção de terra rodeada do vasto mar. Não quero pontes, nem hotéis, nem civilização e nem turistas. Não quero que me visitem, não quero que me explorem, não quero que me toquem. Me deixem aqui, como estrela virgem. Ainda assim carregarei minha parcela rica de "coisa" terrestre e marítima. Quero que saiba do apreço por você do outro lado do continente me mandando mensagens em garrafas que eu nunca ousei jogar fora. Eu guardo tudo que me deste até agora. Além disso, por mais pequena, insignificante e pobre que seja, sou uma espécie de tesouro perdido na extensão do seu universo tão rico, tão vasto e tão solitário.

Porque quanto mais pequena, mais perto estou de mim, e você, que sempre ocupou grandes territórios, não pode sequer se encontrar numa conchinha largada na areia d'alguma praia civilizada.

Laura Santos

[Brothers on a hotel bed - Death Cab for Cutie]

quarta-feira, 1 de abril de 2009

De A a Z

Antes
brilhasse naquele
canto
da nossa casa agora escura a
esperança que
foi embora contigo naquela
gentil tarde do verão que,
honestamente, eu não esqueci, eu
inventei, criei e
joguei meus sonhos
lindos nas suas frias
mãos, suas
nuas mãos que
operavam-me a alma
pobre e pequena e
que agora chora sua ausência
ridícula,
solitária,
tinhosa e que
umedece-me os olhos
vidrados na sua foto ao lado da
xícara de café frio e que agora
zomba desse meu papel de amante tolo.

Flor de Moraes

[Lucky - Radiohead]